Supõe-se que Michael Sendivogius tenha nascido na Morávia (uma região da Europa central que constitui atualmente a parte oriental da República Tcheca) em 1566; sua família era nobre e seus pais poloneses. O ano de sua morte data de 1636. Foi um alquimista, filósofo e médico polonês. Conta-se que ele foi um dos poucos alquimistas que de fato conhecia o segredo da Pedra Filosofal e foi capaz de realizar transmutações bem sucedidas (a Pedra Filosofal era um dos principais objetivos dos alquimistas em geral na Idade Média. Com ela, o alquimista poderia transmutar qualquer metal inferior em ouro. Com uma pedra filosofal, também seria possível obter o Elixir da Longa Vida, que permitiria prolongar a vida por tempo indeterminado.).
Seus estudos, trabalhos e livros foram escritos na linguagem dos alquimistas, na realidade em uma espécie de código que apenas outros alquimistas seriam capazes de compreender. O mais famoso de seus livros se chama “Uma Nova Luz da Química” (Novum lumen chymicum) e foi publicado originalmente em latim no ano de 1604 ou 1605. Esta obra representa um bom exemplo da união da alquimia com a química e a filosofia. O livro era um tratado de transmutação da alquimia.
Veja um trecho interessante do livro Uma Nova Luz da Química:
“Que os filhos de Hermes saibam por certo que a extração da essência do ouro é mera ilusão, como descobrirão aqueles que nisto persistirem, às custas de sua própria experiência. Se, por outro lado, uma pessoa for capaz de transmutar o menor pedaço de metal (com ou sem aumento) em verdadeiro ouro e prata, poder-se-á dizer, com justiça, que ela abriu as portas da natureza e limpou o caminho para o estudo mais profundo e adiantado. É com este objetivo que dedico as páginas que se seguem e que incorporam os resultados de minha experiência pessoal aos filhos do conhecimento, para que, pelo cuidadoso estudo das operações da natureza possam se tornar capacitados a levantar o véu e entrar em seu mais íntimo santuário. O sentido interno de nossa filosofia será ininteligível para os fanfarrões orgulhosos, para os presumidos escarnecedores e para homens que sufocam a clamorosa voz da consciência com a insolência de uma vida imoral; e também para as pessoas ignorantes que alegremente arriscaram sua felicidade em métodos sem sentido. (…) Eu, fervorosamente, pediria aos filhos do conhecimento que aceitem este Livro conforme o espírito com que foi escrito; e, quando o oculto se lhes tornar manifesto e os portões internos do conhecimento secreto lhes forem abertos, que não revelem este mistério a qualquer pessoa indigna; que lembrem também seu dever para com seu próximo sofredor e angustiado, evitando qualquer ostentação de poder e, acima de tudo, que rendam sinceras e agradecidas graças a Deus com seus lábios, no silêncio de seus corações, fugindo de qualquer abuso de seu Dom. A simplicidade é o selo da verdade.
A Natureza, pois, é una, verdadeira, simples, criada por Deus e impregnada de um espírito universal. Seu fim e sua origem são Deus. Sua unidade também é encontrada em Deus, porque Deus fez todas as coisas; nada no mundo está fora da natureza ou é contrário à natureza. A natureza é dividida em quatro “lugares” nos quais ela apresenta todas as coisas aparentes e as que estão na sombra. De acordo com a boa ou má qualidade do “lugar”, ela apresenta coisas boas ou más. A natureza não é visível, embora aja de modo visível. Ela é volátil, manifestando-se em formas materiais e sua existência está na Vontade de Deus. É supremamente importante que conheçamos seus “lugares”, e aqueles que estão em maior harmonia e mais íntima aliança, para que possamos unir as coisas de acordo com a natureza e para não tentarmos confundir vegetais com animais, ou animais com metais. Tudo deve ser levado a agir sobre aquilo que lhe é semelhante, e então, a natureza cumprirá seu dever.”
Uma das grandes contribuições de Sendivogius para a Química foi a descoberta de que o ar não é uma substância única e que possui uma substância revigoradora que mais tarde foi chamada de oxigênio. Ele fez esta descoberta 170 anos antes de Scheele¹ e Priestley², identificando que o gás (oxigênio) era desprendido por aquecimento do nitrato de potássio (o salitre). O salitre tinha uma importância central na linha de estudos de Sendivogius.
Além da sua teoria que falava sobre a existência de um “alimento da vida” no ar (quer dizer, o oxigênio), em seus livros era possível constatar que haviam várias teorias científicas, filosóficas e pseudocientíficas que foram traduzidas e divulgadas por pessoas ilustres e inclusive por outros alquimistas importantes como Isaac Newton, no século XVIII. Nos doze tratados que constituem a primeira parte de seu livro, Sendivogius discute o que chamaríamos de uma ‘teoria da matéria’. Seu objetivo seria ajudar filósofos e alquimistas a entender o segredo da Pedra filosofal, cuja preparação e virtudes também são explicadas, ainda que obscuramente.
Ele também desenvolveu métodos para isolar e purificar vários ácidos, metais e outros compostos químicos.
Ao analisar as ideias de Sendivogius sobre o salitre, o historiador polonês Zbigniew Szydlo escreveu: “A implicação aqui é que há um componente do ar que é necessário à vida. O fato de que esse componente do ar pode ser obtido no estado sólido, isto é, fixo, está de acordo com o que sabemos hoje: o componente do ar que mantém a vida, que é o oxigênio, está combinado quimicamente no salitre, ou nitrato de potássio”. Outro historiador, Wlodzimierz Hubicki, foi ainda mais enfático: “O salitre de Sendivogius corresponde ao que hoje chamamos de oxigênio.”.
Em seus estudos alquímicos e químicos Michael Sendivogius afirmava que todos os corpos proviriam de “sementes”, assim, caso a semente contida em um pedaço de ouro pudesse germinar adequadamente, teríamos a multiplicação do ouro. Para ele, “o ouro vulgar é como uma erva sem semente; quando ele amadurece, produz a semente”. Contudo, o ouro normalmente não consegue amadurecer devido à crueza do ar, que não tem o calor suficiente para levar adiante este processo.
Ele fez uma analogia: “existem laranjeiras na Polônia que florescem e dão frutos porque nesse país há calor suficiente; mas se forem plantadas em lugares mais frios nunca darão frutos. Assim, para que o ouro também dê frutos e sementes é preciso que o artífice — por meio do fogo — ajude a natureza naquilo que ela não é capaz de fazer sozinha.
O primeiro passo para permitir o amadurecimento do ouro seria “abrir seus poros”, dissolvendo-o com uma “água” muito especial: “a água que não molha as mãos”. Dez partes dela deveriam ser misturadas a uma parte de “ouro vivo” e a mistura aquecida até a resolução do corpo do ouro, obtendo-se a umidade radical dos metais. A este produto se deve adicionar “água de salitre” e aquecer por um longo período — quando se observariam mudanças de cor. Então — quando a parte líquida da mistura fosse capaz de tingir um pedaço de ferro — se deveria adicionar o leite da terra, um líquido capaz de calcinar ouro.” Sendivogius concluiu: “Até aqui chegou minha experiência; nada mais posso fazer, nada mais encontrei.”. E neste momento estava finalizada a preparação da pedra filosofal.
Até hoje não se sabe se Sendivogius está, nesta passagem, se referindo a operações reais de laboratório, com substâncias químicas concretas, ou se está fazendo um relato meramente ilustrativo/metafórico. Embora sua linguagem muitas vezes seja cifrada, os indícios são suficientes para afirmar que há um componente concreto de operações de laboratório em seus relatos. Não podemos nos esquecer, entretanto, que Sendivogius via as substâncias e suas transformações com olhos bem diferentes dos de um químico moderno.
Uma passagem do livro “Nova luz da Química” dá a entender que a expressão “ouro vivo” se refere ao ouro antes de ser fundido e trabalhado pelo metalurgista. O passo seguinte da receita de Sendivogius fala na adição de “água de salitre” o que corresponde ao que hoje chamamos de oxigênio. O historiador polonês Roman Bugaj afirma que Sendivogius escreveu, além deste livro um tratado intitulado Processus super sal centrale, de 1598. Essa obra revela que a misteriosa ‘água que não molha as mãos’ seria o salitre, que mais tarde, nos tempos modernos os químicos atuais chamariam de nitrato de potássio. Assim, podemos especular que o primeiro passo para a obtenção da pedra filosofal, no processo descrito, seria atacar o ‘ouro vivo’ com salitre em fusão. Após um período prolongado de aquecimento nas condições que vimos acima é possível que o ouro se solubilize, ao menos em parte. A solução obtida seria capaz de “tingir” o ferro e outros metais pela deposição de ouro metálico em sua superfície. O último passo menciona a adição de uma “água” capaz de calcinar o ouro que poderia ser a “água-régia”, cuja preparação Sendivogius também conhecia. (Água régia é uma mistura de ácido nítrico e ácido clorídrico concentrados, geralmente na proporção de uma para três partes. É um líquido altamente corrosivo de coloração alaranjada. É uma das poucas substâncias que podem dissolver o ouro e a platina, tendo o nome de “água régia” devido à propriedade de dissolver os metais nobres (“régios”). O descobrimento da água régia é atribuído ao alquimista árabe Geber; ela era muito empregada por outros alquimistas e, ainda hoje, é utilizada em diversos procedimentos analíticos.)
Como podemos ver, muitas foram as contribuições de Michael Sendivogius para a química e para a alquimia e por que não dizer para os tempos modernos também, afinal sua descoberta do oxigênio foi um feito de extrema importância para a ciência atemporal e sem dúvida ele é uma figura icônica para aqueles que estudam as artes herméticas.
Seus últimos anos foram passados entre a Boêmia e Morávia, onde ganhou terras de alguns imperadores. Quase no final de sua vida se estabeleceu em Praga, na corte do imperador Romano-Germânico Rodolfo II, onde ganhou fama atuando como projetista de minas e fundições de metal. Após a Guerra dos Trinta Anos os ricos mecenas pararam de investir em estudos sobre a química e Sendivogius morreu em um relativo esquecimento, sem apoio financeiro de seus “patrocinadores”.